A grande ironia da rápida ascensão do Brasil à condição de potência emergente é que o mundo exterior, em grande parte, decidiu que os grupos de direitos humanos do Brasil não precisam mais de sua ajuda. Tradicionalmente, doadores internacionais têm financiado a maior parte do trabalho de direitos humanos no país, mas na última década o financiamento externo tem sobretudo secado. Embora as pesquisas disponíveis não apresentem uma análise completa desta questão, estima-se, a título ilustrativo, que em 2003 cerca de 80 por cento dos orçamentos de 60 por cento de ONGs de direitos humanos no Brasil advêm de financiamento externo. Os dados disponíveis sugerem que, em apenas um ano, entre 2008 e 2009, o financiamento estrangeiro sofreu uma queda de 30 por cento e em 2010 voltou a cair novamente em 49 por cento.
De repente, especialmente para grupos de base, as oportunidades de sustentabilidade financeira no futuro tornaram-se deveras limitadas.
A sociedade brasileira está longe, no entanto, de preencher esta lacuna. A menos que haja uma mudança na opinião do público em geral sobre o trabalho de direitos humanos, e novas fontes locais de financiamento sejam encontradas, os direitos humanos serão deixados para trás, independentemente de quão bem-sucedido for o desempenho da economia brasileira.
Algumas organizações já estão sendo obrigadas a encolher, porque elas simplesmente não têm mais consigo obter financiamento. Este é o caso, em especial, de organizações pequenas e sediadas em áreas mais remotas.
O financiamento internacional ainda disponível privilegia grandes organizações com forte capacidade de gestão, hábeis em responder a crescentes demandas administrativas e burocráticas. Um recente estudo interno sobre as estratégias de captação de recursos realizado pela Fundo Brasil de Direitos Humanos revelou que grandes Organizações da Sociedade Civil (OSC) ainda dependem fortemente de doadores internacionais. Outro estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas também indica uma dependência semelhante. Mas mesmo essas organizações têm testemunhado uma queda em suas fontes de financiamento.
Então, por que não pode o grande e bem-sucedido Brasil agora apoiar a sua própria sociedade civil?
A resposta é simples: a sociedade brasileira não mudou tão rápido quanto sua economia. Apenas 30 anos atrás, o Brasil ainda era uma ditadura, e sua economia era uma bagunça. Nos últimos 15 anos, a economia se estabilizou, o país emergiu como um ator importante no cenário internacional e milhões de pessoas foram retiradas da pobreza. No entanto, a corrupção e a desigualdade ainda persistem hoje como grandes problemas. E não se reconhece que a desigualdade é um problema estrutural devido a um legado de discriminação social, racial e de gênero.
O Brasil tem uma longa história de filantropia tradicional, muitas vezes na forma de caridade ou valores religiosos no sentido de aliviar o sofrimento dos pobres. Não obstante, este tipo de filantropia não enfrenta as raízes dos problemas sociais. Na década de 90, o conceito de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) surgiu após a abertura da economia ao mercado global, e um grande número de Institutos e Fundações empresariais surgiram como novos atores nesta area. Mas a ideia de filantropia em matéria de justiça social é ainda muito recente aqui.
A partir do processo de democratização, foram estabelecidas diversas organizações fortes lidando com vários aspectos de desenvolvimento humano e social. Muito embora as poucas grandes organizações de direitos humanos (ODHs) estejam sediadas nas áreas metropolitanas do país, muitos grupos de base espalhados por todo o Brasil têm defendido os direitos de grupos vulneráveis e minorias, tais como povos indígenas e populações tradicionais; camponeses sem terra, mulheres e crianças, adolescentes em conflito com a lei e presos adultos; afro-brasileiros; a comunidade LGBT, entre outros.
Financiadores internacionais e agências de cooperação no hemisfério norte têm apoiado de maneira significativa este processo, e foram fundamentais para a estruturação de uma sociedade civil forte no país. A diversidade e flexibilidade das ODHs, bem como seu conhecimento das questões locais têm contribuído em grande medida para o fortalecimento da democracia no Brasil.
No entanto, como em muitas democracias emergentes, o fim da ditadura não pôs fim ás violações dos direitos humanos. Amplas políticas sociais de distribuição de renda tiraram milhões de pessoas da pobreza, e têm contribuído para a imagem de um país capaz de superar rapidamente injustiça social por vias democráticas. No entanto, apesar de todos os indicadores positivos, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo, onde a divisão econômica e social encontra respaldado em fatores políticos e culturais. Os 10% mais ricos da população auferem metade da renda total do país, enquanto os 10% mais pobres recebem apenas 1,1% desta renda. Mais da metade da população do Brasil detém menos de 3% das terras rurais no país, enquanto povos indígenas e comunidades locais são muitas vezes vistos como obstáculos ao progresso.
Embora o respeito a direitos fundamentais seja um dos alicerces da Constituição de 1988 no Brasil, o aparato estatal não tem sido eficaz em prevenir abusos a direitos humanos de grupos vulneráveis, e a impunidade continua a integrar o cotidiano no Brasil. Manifestações recentes nas principais cidades brasileiras revelaram entre a população uma rejeição crescente da persistência de violações de direitos humanos e injustiça social.
Contudo, atualmente há apenas algumas fontes locais de financiamento para atividades de direitos humanos, tais como fundos independentes, algumas fundações empresariais e familiares, e doadores individuais. A maioria deles se restringe à educação e infância. Financiamento do governo também está disponível, mas isso significa que organizações perdem a sua independência, portanto esta via não é ideal. Muito embora ativistas de direitos humanos tendem a ver fundos do governo como fundos públicos, muitas vezes o acesso a estes recursos não é feito por meio de um processo formal ou transparente. Ademais, é mais provável que ONGs maiores se qualifiquem para estes fundos, devido ao alto grau de exigências burocráticas. Uma das coisas que organizações como o Fundo Brasil de Direitos Humanos pode fazer é ter acesso a estes fundos para disponibilizá-los aos grupos de base.
Há uma grande tarefa pela frente no sentido de educar a sociedade sobre o trabalho de direitos humanos para que mais recursos possam ser gerados no âmbito nacional.
Organizações como o Fundo Brasil de Direitos Humanos, criado há sete anos, estão na vanguarda desse trabalho, tentando estabelecer uma rede local de financiadores para causas de direitos humanos. Em 2012, estabelecemos uma Rede de Fundos Independentes para a Justiça Social, que reúne nove fundos e fundações comunitárias que estão trabalhando para diversificar a cultura de filantropia e aumentar o financiamento para justiça social no Brasil.
Ativistas de direitos humanos estabeleceram o Fundo Brasil de Direitos Humanos para estreitar laços entre grupos de base locais e doadores no Brasil ou exterior que desejam apoiá-los. Nossos recursos vêm de fontes internacionais, tais como fundações na Europa e EUA, bem como de doadores individuais e empresariais locais. Temos também um pequeno fundo patrimonial (endowment) por meio do qual concedemos algumas doações e arcamos com nossos custos operacionais. Todos os anos, publicamos um edital solicitando ODHs a apresentar propostas de financiamento. Ao ano, recebemos uma média de 700 propostas de financiamento, e podemos selecionar e capacitar organizações que trabalham na linha de frente do trabalho de direitos humanos em todo o país. Até agora, concedemos mais de US$ 2 milhões na forma de pequenas doações.
Embora o Fundo Brasil tenha enfrentado obstáculos na captação de recursos no âmbito local, o Fundo conseguiu atrair alguns doadores e empresas individuais, os quais têm apoiado parte de nossas linhas de financiamento, selecionando entre os projetos pré-aprovados por nós aqueles que eles querem apoiar. Os projetos selecionados se enquadram em sete categorias principais: direitos das mulheres; direitos das crianças e adolescentes; fortalecimento do Estado de Direito e combate à violência institucional; luta contra racismo e outras formas de discriminação; a liberdade de orientação sexual; direito à terra e trabalho decente; direitos socioambientais e o impacto de grandes projetos de infraestrutura. Empreendedores e grandes doadores parecem estar mais confortáveis em delegar a administração de projetos para uma organização qualificada e transparente, como o Fundo Brasil, portanto o nosso modelo de financiamento tem começado a dar resultados positivos. A longo prazo, esperamos, desta forma, estabelecer um movimento de filantropia para a justiça social no Brasil. Estamos planejando uma grande campanha de comunicação e captação de recursos, conscientizando o público em geral para engajar doadores individuais e apoio empresarial. Ademais, iniciamos um programa para ajudar aos nossos donatários a melhorar as suas estratégias de comunicação e para apoiar campanhas e projetos de educação para dar maior visibilidade a casos e questões de direitos humanos em todo o Brasil.
ODHs têm desempenhado um papel fundamental no processo de democratização no Brasil e precisamos de nos assegurar que elas continuem a existir. Atualmente, a melhor forma para que isso aconteça é fazer com que a sociedade comece a compreender o que constitui o trabalho em direitos humanos.