As organizações de direitos humanos brasileiras, há muitos anos têm suas fontes de recursos baseadas em grandes financiadores estrangeiros, como fundações e fundos multilaterais. Contudo, críticos - como os segmentos conservadores da sociedade e governo - têm questionado a dependências desses financiadores.
Repensar seu modelo de negócio e, principalmente, diversificar suas fontes de recursos pode ser o primeiro passo para a criação de um apoio legítimo da sociedade a sua causa e resultar em benefícios que vão além da sustentabilidade financeira, mas que podem revigorar o movimento de direitos humanos no Brasil, que precisa estar fortalecido em um contexto político tão complexo como o atual.
Como apontado recentemente por Edwin Rekosh, o atual modelo de negócios de direitos humanos não está acompanhando as tendências em tecnologia, filantropia, negócios e sociedade. Mudar seu modelo de negócio e diversificar suas fontes de financiamento, testando outros canais, como captação com pessoas físicas, por exemplo, requer que a organização se reinvente, se desapegue de estruturas e processos tradicionais e seja aberta às novas tendências digitais e de comunicação, que a cada dia tornam-se ferramentas mais indispensáveis para mobilizar e engajar o cidadão comum.
Organizações que se estabeleceram no Brasil no início dos anos 90, como Médicos sem Fronteiras e Greenpeace, criaram estruturas sólidas de comunicação, captação e marketing, garantindo uma presença forte de suas marcas no Brasil. Como resultado desses esforços, abriu-se um mercado de captação com indivíduos robusto, que atraiu a atenção de outras ONGs internacionais, como Oxfam e Anistia Internacional, que iniciaram suas operações no Brasil a partir de 2012 com objetivos audaciosos de captação de recursos.
América Latina ainda é um território quase que inexplorado e cheio de possibilidades para o mercado de captação de recursos.
Claro que as grandes organizações contaram com um enorme investimento inicial de suas sedes, que foi o ponto de partida para que conseguissem manter as cifras milionárias dos seus orçamentos até hoje: só em 2015, o Greenpeace Brasil contou com um orçamento anual de mais de R$ 29 milhões. Mas além do investimento financeiro, investiram em pessoas, treinando um verdadeiro esquadrão dedicado a mobilização e captação, que nas redes e nas ruas levam a população um discurso descomplicado, emocional e conciso.
Infelizmente, tais cifras não estão disponíveis para as ONGs brasileiras de direitos humanos que lutam apenas para manter seus programas em funcionamento, de modo que não podem arcar com investimentos substanciais para captação de recursos e para consolidar uma marca. Será que existe espaço para organizações nacionais diversificarem suas fontes de financiamento e captar recursos com indivíduos em uma realidade tão distinta?
A resposta não é simples, mas devemos reconhecer que a América Latina ainda é um território quase que inexplorado e cheio de possibilidades para o mercado de captação de recursos. A pesquisa de James Ron no México sugere que se as organizações de direitos humanos usarem estratégias de captação baseadas em dados sólidos, transparência e credibilidade da sua organização, o público geral terá mais propensão a doar.
No Brasil, o IDIS (Instituto para Desenvolvimento do Investimento Social) liderou uma pesquisa sobre o comportamento do doador (e dos não doadores) brasileiros e os resultados são animadores. Pelo menos 52% dos brasileiros realizou uma doação em dinheiro em 2015 e dos que não realizaram uma doação, 29% respondeu que não doou porque ninguém pediu. Então, temos razões para acreditar que o Brasil é um mercado aberto para o desenvolvimento de um mercado de filantropia maior .
Desde 2015 a organização brasileira Conectas Direitos Humanos vem investindo em importantes passos para reorganizar seu modelo de negócio. O primeiro passo foi investir em um projeto de revitalização de marca (Branding), que se iniciou após uma detalhada análise para repensar suas estratégias de comunicação e marketing, com o intuito, principalmente, de criar empatia com o brasileiro, apresentando narrativas que sejam relevantes e que acolhessem os anseios de públicos mais diversos.
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Digital fundraising allows us to experiment with different messages and audiences, performance indicators can be measured more easily and it is significantly cheaper.
Além disso devemos reconhecer que trabalhamos com uma causa contra majoritária. No Brasil, o discurso de que direitos humanos é para “defender bandido”, foi muito bem construído pelos setores mais conservadores da sociedade, que indiscutivelmente souberam utilizar as novas tecnologias e a mídia de forma eficaz. Historicamente, o movimento de direitos humanos não soube rebater esse discurso de forma eficiente e ficou por muito tempo à margem das tendências de marketing e comunicação.
Em resposta, a Conectas fez também outra importante escolha: investir em captação com pessoas físicas, exclusivamente, online. Apesar de ser um canal de aquisição de doadores que historicamente tem um volume mensal de doação menor que outros canais, como o Street Fundrasing e Telemarketing, por exemplo, a captação online permite testar mensagens diversas, com públicos diferentes de forma extremamente mensurável, além de contar um custo por doador geralmente 50% menor que outros canais de captação. Além disso, a retenção de doadores por meios digitais é mais alta que outros canais de captação. A Conectas, por exemplo, teve uma taxa de retenção de mais de 80% de todos os doadores adquiridos digitalmente nos últimos seis meses.
Existem algumas ações imprescindíveis para implementar um programa de captação digital. Primeiro, ter uma equipe de comunicação trabalhando em parceria com seu time captação é determinante para o sucesso de suas estratégias e os dois times devem ter narrativas alinhadas e demonstrar coerência em suas mensagens. O que muitas vezes acontece, é que as mensagens de captação acabam totalmente descoladas de comunicação, aparentando ser organizações diferentes, prejudicando o entendimento do grande público sobre sua causa e essa confusão afeta diretamente a credibilidade da sua narrativa e, consequentemente, seus resultados de arrecadação de fundos.
O segundo passo é investir em sistemas. Ter uma plataforma de CRM (Customer Relationship Management) integrada aos seus meios de pagamento e formulários de doação hoje não é mais um luxo de grandes operações, é uma necessidade para organizações de pequeno porte também. Sem uma ferramenta de CRM adequada, a segurança dos dados de seus doadores está em risco. Um erro de cobrança pode custar seu bom relacionamento com o doador, que provavelmente replicará a sua péssima experiência nas redes sociais. E todo o trabalho de construção de imagem pode estar em risco.
Apesar de parecer um processo árduo e de retorno financeiro a longo prazo, a implementação de captação de recursos com indivíduos tem outros benefícios institucionais mais rapidamente percebidos. É uma oportunidade de repensar a forma como as ONGs se comunicam com públicos diversos, bem como de revisitar suas estruturas, para que estejam prontas para cenários novos e desafiadores. Além disso, os avanços do setor vão depender de uma efetiva colaboração entre essas organizações, que não contam com uma sede provedora, mas que juntas, compartilhando aprendizados e boas práticas podem de fato criar um mercado sólido de filantropia no Brasil.