Tirando o véu de segredos sobre as violações de direitos causadas pela indústria da mineração no Brasil

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O Brazil foi atingido por dois desastres devastadores em barragens de minérios recentemente. Em 2015, uma barragem de rejeitos carregando lama tóxica do complexo minerário da Samarco em Mariana (MG) se rompeu matando 19 pessoas e espalhando poluentes por cerca de 600 km no Rio Doce até o Oceano Atlântico. Em 2019, outra barragem de rejeitos de uma mina de minério de ferro na localidade de Córrego do Feijão em Brumadinho (MG) também se rompeu. Dessa vez, 270 pessoas morreram e milhões de toneladas de lixo tóxico invadiram as áreas vizinhas.

Mas ao invés de reforçar a regulação de barragens de rejeitos  minerários, o governo brasileiro tenta liberá-las.

Em maio, a Câmara de Deputados aprovou um projeto de lei de licenciamento ambiental que está sendo apreciada nesse momento no Senado Federal. Se o projeto for referendado no Senado, permitirá que as empresas licenciem seus próprios projetos nas áreas de agricultura, construção de estradas, infraestrutura e mineração—e, em alguns casos, as empresas poderão dispensar as licenças completamente.

Esse novo projeto pode significar que algumas barragens não mais precisariam de licenças ambientais, aumentando o medo que já acompanha muitas pessoas cotidianamente—assim como aumenta a probabilidade de que ocorram mais catástrofes com barragens no país.

Em Minas Gerais, no coração das reservas minerais brasileiras, existem mais de vinte barragens de rejeitos em condições emergenciais. A ansiedade causada por temor a desastres tem se tornado aguda entre os que vivem próximos a essas barragens.

O projeto de lei de licenciamento ambiental destaca uma questão mais ampla de interesse das empresas de mineração (e de seus investidores) em todo o mundo: essas empresas não podem se esconder por detrás de leis nacionais que oferecem proteção precária, ou nenhuma proteção, contra violações de direitos humanos e ambientais associados às suas operações.

Frequentemente essas violações são absurdamente consistentes apesar de ocorrerem em diferentes cantos do planeta. Em estudos que nós e nossos parceiros realizamos recentemente sobre as indústrias extrativas no Brasil, Nigéria e Cazaquistão, o padrão é claro: comunidades vivendo próximas de operações minerárias e de óleo e gás raramente acumulam os benefícios prometidos.

Ao invés disso, seu meio ambiente é degradado, suas fontes de água e ar são poluídas e seus meios de subsistência e sua saúde sofrem prejuízos à medida que a riqueza dos recursos naturais que os cercam é direcionada para as mãos de uma pequena minoria.

Um exemplo desse sofrimento generalizado está documentado em nosso último estudo sobre o projeto Minas-Rio, a nona maior mina de minério de ferro no mundo, localizada em Minas Gerais, de propriedade e operada pela Anglo American. Descobrimos que a mina está causando falhas no abastecimento de água, perda de meios de subsistência e problemas de saúde e ansiedade por temor de desastres entre residentes que vivem próximos à ela, enquanto oferece pouquíssimos benefícios visíveis em nível local por meio de impostos ou de royalties (Cfem).

Comunidades vivendo próximas de operações minerárias e de óleo e gás raramente acumulam os benefícios prometidos.

“É como se nós não existíssemos”, disse uma moradora, Ana (pseudônimo), repetindo um sentimento ouvido comumente. “Se representantes do governo realmente nos visse como pessoas afetadas pela mineração, não estaríamos vivendo dessa forma. “É como se não houvesse pessoas em nossa comunidade”, ela disse.

Ana e sua família vivem a um kilômetro da barragem de rejeitos da Minas-Rio e têm medo constante de que ela se rompa. “Dormimos com medo e acordamos com medo. É um medo sem fim”, ela disse. “Vivemos com poluição sonora 24 horas por dia. Também há o fedor da barragem de rejeitos, que é muito forte...Antes da mina havia uma cachoeira, um rio. Hoje isso não existe mais. O rio está poluído, não há mais peixes’, Ana diz.

Então, o que podemos fazer?

Uma maneira de lidar com essas questões é por meio da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (EITI na sigla em inglês), o padrão global para o gerenciamente transparente e com prestação de contas dos recursos naturais. O padrão EITI também pode ajudar a assegurar que leis nacionais previnam violações de direitos humanos e ambientais, ao invés de encorajá-los, como no caso do Brasil.

Desde janeiro de 2021, os 55 países membros da EITI (do qual o Brasil não faz parte) têm sido demandados a tornar todos os novos contratos com empresas de mineração e óleo e gás públicos de acordo com o padrão EITI.

Implementar a EITI—ainda que não seja uma bala de prata—pode ajudar a retirar o véu de segredos que envolve os contratos com empresas de mineração e óleo e gás, e dar aos cidadãos maior possibilidade de dizer como seus países devem gerenciar os processos de extração de seus recursos naturais. Isso pode melhorar a forma como essas indústrias são administradas.

Ainda assim, à medida que o primeiro aniversário da campanha pela demanda por transparência de contratos do EITI se aproxima, muitos países falham em tornar transparentes esses acordos legais para conhecimento público.

Além do padrão EITI, empresas também devem tomar medidas próprias para assegurar que aqueles e aquelas vivendo próximos de suas operações não sofram por causa delas. As recomendações de nosso relatório destacam passos-chaves que a Anglo American e outras empresas de mineração podem tomar, independente das leis dos países em que operam ou de iniciativas internacionais, para assegurar que elas não causarão prejuízo às populações locais.

Por exemplo, antes de dar início a novos projetos extrativos, empresas deveriam conduzir e publicar avaliações amplas sobre impactos nos direitos humanos e sempre assegurar o consentimento livre, prévio e informado de comunidades locais, sejam elas legalmente reconhecidas como comunidades indígenas ou tradicionais ou não—conforme defendido pelo Conselho International sobre Mineração e Metais (International Council on Mining and Metals), do qual fazem parte a Anglo American, a BHP e o Grupo Rio Tinto.

Além do mais, empresas atualmente operando projetos minerários devem publicar e contribuir no país com relatórios de impactos nos direitos humanos, com novas avaliações a cada três anos.

No entanto, em última análise, o direito de cidadãos e comunidades de decidir sobre se e como os recursos não-renováveis de seus países são explorados deve sempre incluir o direito a dizer ‘não’ ao extrativismo. Governos locais e empresas devem respeitar esse direito.


 

Em Busca da Transparência: Desvendando o Setor Extrativo Brasileiro – Um estudo de caso de pesquisa-ação sobre a mina de minério de ferro Minas Rio é copublicado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e coalizão por transparência global Publish What You Pay.