O Trump dos Trópicos? para dupla de Duterte? Jair Messias Bolsonaro, presidente-eleito brasileiro, entrará para o clube de líderes populistas de uma direita em crescente expansão quando assumir o poder em 1º de Janeiro de 2019. Mas onde ele se encontra dentro desse espectro de líderes – e o que, por fim, sua presidência representará para os direitos humanos no Brasil – é menos evidente, ainda que preocupante.
Uma recente pesquisa no Brasil indicou que o apoio à democracia no país nunca foi tão alto. Isso parece contradizer a eleição de Bolsonaro, dada sua defesa à ditadura brasileira, e seu respeito limitado pela Constituição. Nesse contexto, a questão principal que devemos fazer é: ele será um presidente democrático?
A maior parte do plano de governo de Bolsonaro não é detalhado, o que faz com que tenhamos que basear boa parte de nossa análise sobre como ele pretende governar em seus discursos de campanha. Contudo, sua retórica é frequentemente incoerente. Ademais, para complicar mais o cenário, suas indicações para ministérios estratégicos sugerem que existirão interesses concorrentes dentro do governo – de um ministro da economia liberal, a um ministro da defesa nacionalista, um ministro da justiça punitivista, um ministro do meio-ambiente que não acredita no aquecimento global e uma religiosa conservadora como ministra dos direitos humanos. Ainda não está definido qual interesse prevalecerá.
Entretanto, examinando as informações que já temos, podemos ver que as ameaças aos direitos humanos no Brasil devem se manifestar em três áreas principais: segurança pública, meio ambiente e o espaço democrático.
Os planos de Bolsonaro para a segurança pública geram preocupações especialmente para os direitos humanos. Ele pretende reduzir o controle de armas para os cidadãos e permitir que policiais matem impunemente. O impacto disso para os direitos humanos é claro em um país em que as taxas de homicídio e letalidade da polícia já figuram entre as mais altas do mundo. Além disso, Bolsonaro pretende reduzir a maioridade penal para 16 anos e restringir as sentenças com prisão reduzida, apesar das abundantes evidências que mostram a ineficácia dessas medidas para reduzir o crime. Essas propostas somente inflam o já superlotado sistema prisional e resultam em mais tragédias, como as rebeliões prisionais de 2017 em que mais de 100 pessoas morreram em apenas uma semana. Os mais jovens, os pobres e predominantemente a comunidade negra já sofrem desproporcionalmente com a violência, a ponto de que muitos se refiram a esse fenômeno como um genocídio. Essas políticas só pioram essa situação desesperadora.
Outra preocupação real é o potencial de coordenação, ainda que informalmente, entre os estados e as forças federais de segurança. Os governadores eleitos do Rio de Janeiro (Wilson Witzel) e São Paulo (João Doria) declararam seu apoio a Bolsonaro. Como prefeito de São Paulo, Doria articulou táticas violentas contra usuários de drogas na região da cidade conhecida como Cracolândia. Enquanto isso, Witzel já visitou fabricantes de armas em Israel ao lado do filho de Bolsonaro. Eles conheceram a tecnologia militar do país, incluindo drones que disparam, e Witzel sugeriu que essas armas poderiam ser usados em operações de segurança no Rio de Janeiro.
O panorama para os direitos humanos relacionado ao meio ambiente é igualmente preocupante. A fim de acelerar a recuperação econômica, Bolsonaro se pronunciou a favor do enfraquecimento das proteções ambientais na Amazônia. Isso teria consequências negativas para as comunidades que vivem próximas a megaprojetos de infraestrutura, tais como mineração e usinas hidrelétricas, as quais estão atualmente embargados devido a restrições ambientais.
Povos indígenas e quilombolas (descendentes de negros escravizados que vivem em povoamentos chamados quilombos) também estão sob ameaça com as afirmações de Bolsonaro de que ele não demarcará nenhum novo território de proteção. Ele também ameaça cancelar 129 processos por demarcação de terras existentes. Há o receio de que conforme os direitos dessas comunidades se enfraqueçam, a violência contra essas pessoas aumente. O Brasil já tem o maior número de mortes de ambientalistas no mundo.
Bolsonaro também expressou seu desejo de sair do Acordo de Paris que trata do aquecimento global. Isso também levanta questões mais amplas sobre seu compromisso com a ordem internacional e outros tratados dos quais o Brasil é parte. Ele chegou mesmo a indicar que o Brasil deixará o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Quando populistas de direita assumem o poder, seu foco se concentra principalmente em restrições aos espaços cívicos. Bolsonaro também nos deu muitos motivos para preocupações nessa temática. Seu plano de governo fala claramente sobre usar a legislação antiterrorismo brasileira contra movimentos sociais que pressionam o governo por reforma agrária e direito à moradia. Durante sua campanha, ele também falou explicitamente sobre “por um fim ao ativismo” no Brasil. Ainda não é claro como ele pretende fazê-lo, mas nas últimas semanas ele tem falado com Viktor Orbán da Hungria e Benjamin Netanyahu de Israel. Ambos líderes que promoveram legislações que tornam consideravelmente mais difícil ONGs receberem financiamento internacional.
O programa brasileiro de ações afirmativas, que oferece vagas garantidas para candidatos negros e pobres em universidades públicas e outras instituições financiadas com recursos públicos, também está sob risco na administração Bolsonaro. Qualquer redução teria um impacto significativo no acesso da população negra a direitos. Da mesma maneira, a proximidade do presidente eleito com alguns líderes de igrejas evangélicas ameaça a liberdade de religião, em especial para tradições religiosas de matriz africana. Sua agenda de conservadorismo moral é também alarmante para o futuro dos direitos sexuais e reprodutivos, o que já impacta a população LGBT. Houve um alto número de crimes de ódio durante o período eleitoral contra essa população e outras minorias perpetrados por apoiadores de Bolsonaro.
Muitas das medidas propostas descritas acima precisam de aprovação pelo Congresso Nacional e que pode ser contestadas no Supremo Tribunal Federal se forem aprovadas. Ainda não é claro como essas duas instituições responderão. O partido de Bolsonaro (PSL) ganhou muitos lugares no Congresso, mas não a maioria. Ele precisará trabalhar aliado a outros partidos para passar medidas controversas. As alianças feitas dentro do Congresso dependerão significativamente de quem serão os novos presidentes da Câmara e do Senado – o que ainda é incerto.
Outras medidas não precisam de aprovação legislativa. Elas podem ser efetuadas por meio de decretos presidenciais, medidas provisórias ou outras mudanças na burocracia. Nesse ponto, a imprensa e outros agentes de controle externo precisarão responder rapidamente a quaisquer tentativas de executar essas medidas sorrateiramente. Ainda que os papéis de agentes de controle como o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Comitê de Combate à Tortura não tenham sido desafiados até o momento, já existe um alerta vermelho em termos de liberdade de imprensa. Bolsonaro ameaçou cortar todas as propagandas públicas de um dos maiores jornais do país, a Folha de São Paulo, após essa publicar uma matéria sobre irregularidades no financiamento de sua campanha.
Por diversos anos, o Brasil foi alvo da atenção internacional por seu progresso no desenvolvimento social e econômico. Agora figura nas manchetes por razões sombrias. Manter a atenção internacional será fundamental nos próximos anos. Isso representará um apoio essencial a organizações da sociedade civil locais que tentam limitar o dano potencial de uma administração Bolsonaro e que se esforçarão para construir uma alternativa para a próxima eleição em 4 anos.