O custo inflacionado da defesa dos direitos humanos

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Rastrear a trajetória do vírus tem sido um desafio particular neste ano pandêmico, assim como tem sido difícil seguir o fluxo de dinheiro. Quais empresas têm permissão dos governos para continuar operando, enquanto certos grupos são deixados sem recursos? Há vencedores e perdedores evidentes quando se trata de administrar as finanças durante esta pandemia e calcular os resultados financeiros, mas também há trapaceiros óbvios, incluindo aqueles que prontamente contornaram suas obrigações em relação aos direitos humanos a fim de fazer lucros em um momento financeiro difícil. Enquanto algumas corporações estão crescendo, muitas pessoas defensoras dos direitos humanos (pessoas DDH) se sentem ameaçadas pelas grandes empresas, drenadas pela flutuação dos preços do mercado e negligenciadas pelos pacotes de estímulo de seus governos.

Descrição da foto: Manifestantes tomam as ruas na Colômbia pedindo igualdade (maio de 2021). Fonte: Nathalia Sie

Empresas determinadas a dar lucro, a qualquer custo

Estados oportunistas e atores armados não são os únicos que utilizam a pandemia em seu benefício; algumas empresas privadas aproveitaram 2020 como uma chance de avançar com seus planos de negócios sem a devida consulta ou sem receio de reação contrária da comunidade. De acordo com o Centro de Recursos Empresariais e de Direitos Humanos, entre março e outubro de 2020, houve 286 casos de ataques à atividade empresarial de pessoas DDH, o que representa um aumento de 7,5% em comparação com o ano anterior.

Em diversas ocasiões, os governos de todo o mundo priorizaram os lucros em detrimento dos direitos e liberdades fundamentais durante crises. Isto é claramente exemplificado pelos contínuos ataques contra a Federação dos Camponeses do Sul da Tailândia (SPFT). Os conflitos sobre o direito da SPFT ao seu território existem há anos, mas as tensões aumentaram em outubro passado, após a tentativa de assassinato de Dam Onmuang, membro e líder da Comunidade Santi Pattana. A Protection International continua a exigir um exame minucioso de todas as provas relacionadas à disputa de terras entre a empresa de óleo de palma da região e a SPFT, bem como uma investigação imparcial sobre a tentativa de assassinato do Sr. Onmuang. O criminoso foi recentemente indiciado e aguarda uma decisão final sobre sua sentença de prisão, mas os mandatários do crime ainda não foram responsabilizados.

De acordo com Sulakshana Lamubol da Protection International Tailândia, "Com medo do que aconteceu com o Sr. Onmuang, ele não pode mais sair de casa para trabalhar e, portanto, teve que contratar trabalhadores para fazer o trabalho agrícola na terra para ele. Desde o incidente, ele perdeu aproximadamente $300 - $500 por mês, que era sua renda média antes do incidente".

De fato, algumas empresas têm usado a COVID-19 como uma distração global dos danos que estão impondo às comunidades locais e ao planeta.

Na Mesoamérica, durante toda a pandemia, as empresas extrativistas e os megaprojetos continuaram operando ilegalmente ou com permissões especiais do governo. Em sua campanha eleitoral em 2019, o Presidente Giammattei prometeu restaurar a confiança no mercado de investimentos da Guatemala - especialmente para as empresas transnacionais de mineração - e parece que ele continua agindo dessa forma, independentemente da pandemia imprevista. A mina de níquel Fenix na Guatemala, que é operada pelo Solway Investment Group, sediado na Suíça, continuou operando apesar do fato de que empresas que realizam serviços não essenciais foram ordenadas a fechar em março de 2020. Estas empresas causam contaminação da água que afastou os peixes e a poluição do ar que causam problemas respiratórios - o que é particularmente preocupante durante uma pandemia na qual o vírus ataca os pulmões.

Em janeiro deste ano, a Protection International juntou-se a 194 outras organizações internacionais para denunciar a tentativa de assassinato de Julio David González Arango - um defensor dos direitos humanos e membro do movimento de resistência pacífica contra a mina Escobal da Pan American Silver na Guatemala - e de dois outros membros do movimento que receberam ameaças de morte. Enquanto isso, a mineradora continua realizando projetos comunitários que "fomentam a tensão e a divisão social, uma vez que todas as operações deveriam estar suspensas". Segundo a declaração enviada à empresa [por uma comunidade indígena próxima], "O Parlamento [Xinka] também denunciou os programas comunitários da empresa forma de coerção e em violação da natureza 'livre' da consulta".

Há inúmeros relatos de empresas mistas ou totalmente estatais fugindo completamente de suas responsabilidades de consultar às comunidades, sob o falso pretexto de impossibilidade. Governos míopes têm usado dificuldades econômicas como desculpa para endossar operações destrutivas, e como Mauricio Angel da Protection International explica, "De fato, algumas empresas têm usado a COVID-19 como uma distração global dos danos que estão impondo às comunidades locais e ao planeta".

A instabilidade financeira impede o direito de defender os direitos humanos

Uma das questões mais difundidas e importantes que muitas pessoas DDH enfrentam atualmente é a realidade de que o dinheiro é escasso. Os alimentos estão mais caros, a taxa global de desemprego atingiu sua maior porcentagem em décadas, e os custos de saúde relacionados à COVID-19 deixam muitos com pouca margem de renda líquida. As medidas de confinamento afetam desproporcionalmente aqueles que dependem da economia do trabalho informal, que de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é de aproximadamente seis em cada 10 trabalhadores em todo o mundo. A porcentagem de emprego informal no índice de emprego total é particularmente alta na América Latina, África e Sudeste Asiático, chegando a 97% na República Democrática do Congo. E como disse Liliana De Marco Coenen, a diretora executiva da Protection International: "É importante lembrar que a defesa dos direitos humanos raramente é um trabalho remunerado, especialmente para aquelas pessoas que agem por necessidades urgentes".

Descrição: Porcentagem do emprego informal no índice de emprego total por país. O mapa da OIT é referente à situação antes da pandemia global. Fonte: Organização Internacional do Trabalho

Nossos colegas da República Democrática do Congo classificaram a "insegurança alimentar" como a questão mais preocupante para as pessoas DDH do país. O mais recente Índice de Preços de Alimentos da Organização para a Alimentação e a Agricultura indica que o preço médio dos produtos alimentícios subiu novamente em janeiro de 2021, após um aumento constante de nove meses. Em abril e maio de 2020, Action pour la Lutte Contre l'Injustice Sociale e Rainbow Sunrise Mapambazuko mostraram que um número crescente pessoas LGBTI DDH no país se tornaram sem-teto, o que contribuiu para a instabilidade social, insegurança alimentar e saúde precária delas.

E o custo de pegar a COVID-19 é, naturalmente, muito alto em todos os sentidos. Isto é especialmente verdadeiro para aquelas pessoas DDH que trabalham nos Países Menos Desenvolvidos (PMDs) da ONU, onde uma em cada duas unidades de saúde não tem água potável, colocando ainda mais em risco os profissionais de saúde e os pacientes. Apoiar nas necessidades básicas das pessoas DDH é um primeiro passo importante para possibilitar seu direito de defender os direitos humanos, que é um direito que não deve e não pode ser colocado em quarentena.

Ainda há muito trabalho a ser feito enquanto esperamos que o mundo se restabeleça financeiramente e se reabra com segurança. Podemos começar refletindo sobre as lições aprendidas relacionadas aos negócios e aos direitos humanos e calcular a importância do monitoramento e da supervisão. As organizações da sociedade civil podem continuar a trabalhar para melhorar a coordenação entre si para responder mais rapidamente às crises sem fronteiras atuais e futuras. Poderíamos também trabalhar melhor juntos para combater narrativas altamente prejudiciais sobre as pessoas defensoras dos direitos humanos, antes mesmo que elas se tornem virais. Mas, gostaríamos principalmente de fazer eco às declarações da CIDH e da Zero Tolerance Intiative exigindo que os Estados façam mais esforço para proteger e preservar o trabalho das pessoas defensoras dos direitos humanos durante o resto da pandemia e além dela, com ênfase particular nas necessidades das mulheres, rurais, indígenas e outras minorias DDH que estão desproporcionalmente em risco. Os Estados precisam diminuir o custo da defesa dos direitos humanos, diminuindo os riscos associados à realização deste trabalho. Enquanto as vacinas trazem a luz no fim do túnel no combate da COVID-19, é fundamental que as pessoas DDH não sejam deixadas na escuridão.